A. Marinho e Pinto - JN
A atual maioria PSD
/CDS prepara-se para reduzir em 10% os montantes de todas as pensões do setor
público. A medida, que estará inserida no tão propalado corte de quatro mil
milhões de euros nas despesas do Estado (montante posteriormente reduzido para
dois mil milhões), constitui um ato brutal contra quem trabalhou e descontou durante
o período da vida ativa e que, chegado à velhice, acaba sendo alvo de um
verdadeiro assalto aos seus rendimentos. Não está só em causa o princípio
republicano da solidariedade, um dos valores matriciais de qualquer República
Democrática (cfr. Artigo 1.o da Constituição). O que esta maioria se prepara
para fazer constitui a negação dos mais elementares princípios do direito. Com
essa medida, o PSD e o CDS retiram a milhares de idosos as condições de
dignidade para o fim das suas vidas, pois com esse corte muitos idosos terão de
reduzir ou eliminar despesas pessoais absolutamente essenciais à sua
existência, tais como alimentação e medicamentos. Mas, com tal medida, o PSD e o CDS violam também, de forma acintosa, o
contrato de cidadania que o Estado havia celebrado com os seus servidores,
mediante o qual estes teriam, no fim da sua carreira contributiva, direito a
uma pensão proporcional às respetivas contribuições. O PSD e o CDS,
chegados ao poder, não só violam todas as promessas eleitorais que lhes permitiram
precisamente alcançar o poder, fazendo justamente aquilo que em campanha
eleitoral garantiram que nunca fariam, mas violam ainda as mais basilares
regras jurídicas, já que, com uma pusilanimidade estonteante, rasgam os
contratos vitalícios que o Estado havia celebrado. Tudo sem qualquer culpa dos
prejudicados, com a exceção, porventura, de terem permitido que pessoas sem palavra e sem honradez
política chegassem ao poder.
Mas, ao mesmo tempo que
se preparam para cortar impiedosamente nas pensões dos aposentados, incluindo
daqueles que auferem apenas algumas centenas de euros mensais, o PSD e o CDS
propõem-se, com a mesma insensibilidade, isentar desses cortes magistrados e
diplomatas, muitos dos quais auferem pensões superiores a cinco mil euros mensais. Trata-se da consagração, na
nossa República Democrática, de um privilégio de casta que, numa sociedade decente,
deveria envergonhar tanto quem o concede como quem o recebe. Um privilégio que, no caso dos
magistrados, acrescerá a muitos outros verdadeiramente escandalosos, como
subsídios de habitação a quem vive em casa própria, isenções de impostos, etc.
Mas, como a cultura dos nossos magistrados é a de quem se julga acima dos
simples mortais, tudo o que sabe a privilégios é sempre bem-vindo para eles.
Porém, como não há
almoços grátis, a prebenda que o PSD e o CDS se preparam para oferecer aos
magistrados deve ter, obviamente, por detrás, negociatas malcheirosas. Para
além de poder constituir um aliciamento por parte de quem não tem a consciência
tranquila e procura favores ou indulgências judiciais, ela não pode deixar de
ser encarada como um prémio pelo contributo que os magistrados deram para
desgastar o Governo anterior com processos vergonhosos, assim contribuindo
também para antecipar a chegada ao poder do PSD e do CDS. Mas, por outro lado, ela surge
não muito tempo depois de um dirigente do sindicato dos juízes ter insinuado publicamente que se os juízes portugueses
tivessem de suportar os sacrifícios da crise como todos os outros cidadãos, eles
poderiam deixar de ser independentes e, provavelmente - pensámos todos nós -
corromper-se-iam e (pelo menos alguns) passariam a vender sentenças.
É claro que agora não
faltarão os habituais magistrados papagaios tentando justificar essa ignomínia
com os mais estúpidos argumentos (lembram-se daquele em que, além das férias de
Natal e da Páscoa, se justificava a existência de dois meses de férias no verão
para os magistrados trabalharem?). Mas isso só demonstra a conta em que eles
têm os cidadãos desta República. Por mim, repito: nestas coisas (como em muitas outras da vida), não há almoços grátis, só
faltando apurar o que os magistrados, sobretudo os juízes, darão em troca ao
PSD e ao CDS, além do que já deram no passado recente.